quarta-feira, 31 de agosto de 2011

De muitos amores

Dizem por ai que a esperança é sempre a ultima que morre. No meu caso é o amor, ou melhor, era o amor, já não sei muito bem em o que devo acreditar. O amor era minha fé, a fé que se prega nas esquinas desbotadas de Joinville eu há muito abandonei, nem jamais quis voltar a te-la, exeto em alguns momentos de desespero. Meu velho e gordo pai sempre falava com aquele ar de religioso quimérico: “Você está assim porque perdeu a fé, não acredita em nada”. É verdade, eu perdi a fé, cresci como menino católico, batizado, catequisado, rezava todas as noites para agradecer e pedir.

Minha fé começou a morrer por volta dos 14 anos quando fazia crisma, todos os sabados de manhã na igreja mais próxima da minha casa. Firme e forte aguentei os três primeiros meses de aulas, fiz algumas amizades, e tomei meu primeiro porre de whisky numa festa que um playboyzinho metido a surfista deu em sua casa. Afinal de contas, estava na cara que a maior parte da sala só estava lá porque seus pais mandaram,e quando retiravam a mascara da cristandade revelavam-se todos pequenos boêmios, fumando cigarros caros e fingindo conhecer os prazeres do sexo. Poucos realmente conheciam, normalmente procuravam as putas, que sedentas os descabaçavam sem dó soltando falsos gemidos de um prazer inexistente. E saim todos alegres e orgulhosos de terem comido uma mulher adulta. O verdadeiro prazer deles estavam em contar, não em fazer.

Acabei por largar a crisma após uma série de discussões com a professora, que apenas escutava os pequenos beatos e fugia das discussões relevantes. Minha mãe aceitou, respeitava minhas decissões. Meu pai só falava: “O que sua avó vai pensar, coitadinha, isso seria um orgulho pra ela, já está tão velhinha, vai morrer de desgosto”. Minha pequena avó, coitada, ia todos os dias à igreja e acabou por morrer como qualquer cancerosa numa cama de hospital. No entanto o verdadeiro terror começou em janeiro do ano seguinte, mais precisamente no dia seis de janeiro de 2007, quando minha mãe foi internada com fortes dores no abdomen e acabou por morrer vinte e um dias depois de infecção hospitalar, após uma série de falsas esperanças que os médicos vomitavam em meio a palavras metódicas.

Assim morreu o grande amor da minha vida, não chorei, e muito pouco chorei até hoje. (Continua...)

Sumiram todos os fumantes do mundo

Mais um dia mediocre, acordo com a ansiedade comendo solta, tonturas e uma leve dor de cabeça, malditos remédios parecem que mal fazem efeito. Fico esticado lendo Jorge Amado. Jorge Amado foi um dos bons, quem escreve “batuta”, “supimpa”, “o teu come?” e “só boto atrás” tem que ser um dons bons. Um bom misto de marginalidade, safadeza, realidade e poesia.

Levanto da cama lá pelas déz e meia, desacreditado de ter que trabalhar ao meio dia. O tempo sobra, mal aproveitado, penso no que vou comer agora e depois. Na geladeira tem carne de ontem, queijo e presunto. É isso mesmo, coloco tudo num pote e está feito meu almoço, mais duas tangerinas pra matar o gosto da carne requentada e pronto. Procuro uma bolacha na cesta de pão, cheia de pão mofado que meu pai insiste em jogar no quintal pros passarinhos, mas no final acaba verde do bolor e catingando a casa toda. Tá lá, em meio a todo aquele podrume, meio pacote de bolacha aberta, melhor que nada. Jogo tudo na mochila, acompanhado de Hemingway, James Joyce e um caderno onde anoto as idéias inesperadas.

Olho pro relégio. Porra! Inves de me arrumar fiquei no quintal fumando e agora só tenho déz minutos pra tomar banho e sair. Vou correndo, toalha umida graças ao sol que não deu as caras. Banho quente é sempre aquela maravilha, você nunca quer sair, mas e o motorista do ônibus? Com certeza não vem tomar banho comigo. Ralo entupido, começa a vazar água no banheiro todo. Puta que o pariu, eu mereço mesmo, não dá tempo de limpar, corro, visto a primeira roupa que vejo na minha frente e vou rua abaixo até o ponto de ônibus. Bem, essa era a idéia,no meio do caminho lembro do maço de cigarros que ficou encima da mesa.E agora? Chego atrasado ou fico sem meu trago? Merda de tabagismo. Corro pra casa, pego o maço e volto correndo, no meio do caminho vejo o amarelão passar. Agora cagou-se. Tanto faz chegar um pouco atrasado, no fim das contas ganho por dia e não por hora.

Sento num bloco de cimento ao lado do ponto, já que até em ponto de ônibus é proibido fumar hoje em dia. Não que eu respeite, longe disso, mas melhor não arrumar confusão com as velhas asmáticas da igreja. Acendo um cigarro, percebo que o maço está quase vazio, nem valeu a pena ter ido buscar. Começo a pensar, estou com uma roupa que já usei umas duas vezes, fedendo a fumaça e sem casaco ainda. O vento frio bate forte, nesse momento o sol timido me esquenta, mas e depois? Chega a lotação, lotado até a boca, fico num canto perto do motorista que volta e meia reclama que eu estou na frente do espelho lateral. Mas que merda, vou fazer o que? Me pendurar na janela? Segue o caminho, me arrisco em meio a mil cotovelos e o forte cheiro de asa, até o meio do ônibus. Me arrependo, a maldita velha que leu a biblia e enlouqueceu estava lá, cantarolando qualquer musica religiosa e soltando alguns berros sem nexo em meio aos sacrilégios da melodia, um verdadeiro calvário.

Chegando no centro salto no ponto da catedral ainda em clima de música gospel. Puxo um cigarro, o maço amassado está quase no fim, levo a mão ao bolso a procura do isqueiro. Nada. Coloco a mão mais fundo na esperança de encontrá-lo por lá. Nada. Nada além de um furo no bolso, por onde provavelmente se esgueirou o pequeno bic amarelo rumo a lugar nenhum. (Continua...)

O circo

Tem um lugar que está a pedir registros fotográficos. Trata-se de um circo daqueles que você não consegue crer que está de pé, promete mundos e fundos e apresentam uma porção de truques tabajara. Para ter idéia tem até “o incrivel homem sem cabeça”. Imperdivel!

Assim acabei por aceitar o convite que ela me fez, não sabia bem o por que, talvez um misto de curiosidade e indignação, vontades e desejos. Com certeza o velho Gabito dos colombianos contribuiu com a decisão de ir até lá. Imaginei os ciganos, o velho Melquiades chegando a pequena Macondo e exibindo as ultimas invenções dos sábios orientais, descobertas de duzentos anos atrás que sequer aquele povo simples tinha pensado existir. Cobravam então alguns pesos para se tocar o gelo e voar no incrivel tapete voador, além de impressionar a todos com o trabalho de alguns imãs atraindo pequenas peças de metal. Não me saia da mente a simplicidade aparente que conquistava vários espiritos, a alegoria mediocre com tamanho poder de alegrar. Por um momento revivi o gosto de observar pessoas, queria viver a reação do público, queria sentir a alegria alheia. Mas acima de tudo isso, a vontade de revê-la me impulssionava a essa aventura inusitada.

Nosso encontro ficou combinado para as 20 horas no terminal sul. Durante a tarde procurei pela minha câmera afim de tirar algumas boas fotos a noite, em preto e branco claro, valorizando cada sombra prodigiosa, desacreditando das cores vivas para dar vida ao sentimento presente em cada momento. Gosto mesmo de fotografar pessoas, atento a tudo, a cada demonstração de existência, meu momento ideal é um pequeno instante que mal nasce, morre. Um bom tempo para uma fotográfia é como tudo na vida, efêmero. Enfim encontro minha máquina de congelar momentos, mas, em vão busco pelo carregador, terei então que torcer para que a bateria aguente, assim como eu terei que me aguentar para não beija-la freneticamente na hora do comprimento. Tento então ficar bonito enquanto me aprontava. Já atrasado como de costume, visto uma camisa xadrez branco-avermelhada e uma calça jeans escura, me cubro então com uma jaqueta preta, no estilo londrinho, um clássico dos anos 60. Básico como gosto, nunca fui fã de roupas chamativas ou de muitos detalhes, a moda, como diz meu pai, eu prefiro distância. Busco então o toque final, o perfume quase findado já não exala o mesmo cheiro atrativo de outrem, agora o odor do alcool sobrepõe a fragância.

Lá fora o céu vaza com vontade, forte como se quisesse esmagar-nos por nossos pecados. Fico imaginando se a chuva atrapalharia o espetáculo. Para mim, poucas vezes a chuva foi um encomodo, sempre gostei muito de sentir os pingos na face, isso me dava a estranha certeza de estar vivo. Então vou até o quintal, e enquanto fumo um cigarro observo a água caindo pela calha da casa vizinha, recordo que nos conhecemos a apenas três dias e já haviamos trocado carícias, calores e fluidos, nossos corpos haviam balançado no ritmo do prazer. A fumaça sempre me traz lembranças. Decidido, pego meu guarda-chuva e saio em meio a imensidão de água que desaba.

Chego no terminal praticamente na hora combinada, aproveito para fumar mais um cigarro e tentar acalmar o espirito agitado. Ansiedade tem sido um problema nos ultimos tempos, a mente vai a mil e ondas e calor percorrem o corpo. Pra que isso? Ela já disse que não quer nada sério com ninguem, preza pela liberdade. Sempre fui assim na verdade, cheguei a conclusão que amo todas as mulheres do mundo, não importa pelo tempo que for. As despedidas já não me destroem como antigamente, simplismente me convidam a novos e deliciosos amores, até então, terminarem novamente. (Continua...)