quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Aquela imagem

Em 1990 eu tinha apenas alguns meses e aquele homem morria na madrugada, sentado na privada de casa, num banheiro de ladrilhos pequenos, decorados em tons beges e marrons claro. Estava lá sentado sem camisa e com as calças cinza arriadas até o joelho, o corpo pendido para a esquerda, tinha cabeça apoiada no box do banheiro que ostentava aqueles estranhos desenhos de garças e outros pássaros grandes dando relevo ao plástico fosco. Um jornal deitado ao colo, provavelmente lia algumas noticias sobre a reunificação da Alemanha ocorrida em outubro daquele ano. O mais inexplicável era o fato de usar um chapéu de palha enquanto expurgava os males daquele jantar mal digerido, tanto pela comida como pelo assunto que veio à mesa. De forma alguma conseguiu dormir tranqüilo.

Tinha eu nove meses nesse dia, e o mais estranho é o fato de que pra sempre irei lembrar-me dessa imagem que eu nunca vi.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A esquina

Naquela esquina putas e travecos forneciam amores apressados aos afogados que ali aportavam. Ela não se vendia, apenas morava em frente. Estudava e sentia saudades da família, enquanto escutava de sua janela os sambas do mercado municipal. Observava de cabelos negros, todo aquele tumulto, um cheiro de amêndoas lhe despertava a paixão inata de sua alma. Sentia-se também afogada, de tanto transbordar amores. Sorrindo sempre de maneira apaixonante, sua janela iluminada clareava a noite das danadas no beco escuro, e enquanto gemiam falsos prazeres baratos, ela suspirava, aguardando um amor sem preço.

domingo, 16 de outubro de 2011

Fingindo que sei fazer poesia.


"Diz que quando o céu vaza dessa forma é o choro dos amantes, escravos de amores contrariados. Sedentos por ter, quem só os busca por prazer, indignos por exemplo, do o que eu guardo pra você." (13/10/2011)

"Clio, Calíope e as musas dançam na imensidão dos planos. Onde você estava quando partiram? Te esqueceram ou ficaste? Talvez para alegrar, com toda sua beleza, transeuntes a chorar, em uma terra de alardes." (14/10/2011)


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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Sonho.

Em sonho de uma noite conturbada cheguei a uma pequena vila, daquelas tipicas de interior, em meio a campinas e matas, a alegria do povo simples e o silêncio dos passaros. Grandes montanhas esverdeadas cercavam o local, como se fosse localizado em meio a uma grande cratera de um vulcão há muito inativo. Errei por trilhas traçadas entre pequenas colinas gramadas, que mais pareciam exibir uma penugem amarelo claro, que ora pensava ser grama nova, ora me via ofuscado pelo reflexo do sol que castigava o lombo dos trabalhadores que passavam.

Todos que passavam me cumprimentavam com um leve aceno de cabeça, eram pessoas de todo tipo, negros, indios, brancos, mulatos, asiaticos, persas, turcos e australianos. Imaginei como um lugar como aquele poderia abrigar pessoas de lugares tão distintos. O que não era distinto era a determinação que mostravam em suas faces, e o suor que escorria pela testa, pois estavam todos carregando instrumentos que mais pareciam destinados a uma grande construção. Acompanhei o fluxo dos trabalhadores, começaram a aparecer as primeiras casas, algumas de madeira, outras no estilo enxaimel, pequenas ócas indigenas, algumas ostentando a tradicional arquitetura japonesa, outras formadas de um empilhamento de pedras que se assemelhavam a castelos em miniatura, além de tendas colorizas e muito enfeitadas.

Chegando ao centro da pequena vila, deparei-me com uma grande clareira que se parecia mais com uma grande praça cercada pelas pequenas colinas onde todas as casas se localizavam, e, a margem dessa clareira ficavam os estabelecimentos comerciais, todas pequenas lojas que provavelmente provinham o necessário a todos. O maior de todos os prédios era um grande prédio, que por mais incrivel que pareça tinha a capacidade de ostentar todas as formas de construção observadas nas casas, tinha três andares e o tamanho de dez casas. Sua faixada ostentava duas colunas gregas muito bem trabalhadas que suportavam acima o peso de uma das misteriosas pedras de Stonehenge.

Na praça da pequena vila, estavam muitas pessoas, todas animadas e muito agitadas, se via um clíma multitudinoso a onde sequer havia gente o suficiente pra causar um bom tumulto. Parecia estar-se armando uma bela festa, tendas eram erguidas em todos os lados, grandes caldeirões transparente ardiam sobre o fogo, cozindo os mais variados tipos de alimento. Em um dos cantos estava armado um pequeno palco onde menestréis afinavam seus instrumentos e um homem contava histórias inacreditáveis a um grupo de crianças sentadas em roda a sua volta. Parecia muito velho, usava um terno muito bem alinhado que no entanto conservava algumas teias de aranha e um pouco de barro, sua face parecia muito pálida e desgastada pelo tempo e um de seus sapatos tinha um belo buraco por onde fugia seu dedão que ostentava uma unha absurdamente grande e quebrada na ponta.

Uma das tendas tinha pendurada uma placa de ouro com os seguintes dizeres: “Lê-se o porvir”. Estava vazia, além da figura que estava sentada atrás de uma mesa redonda acobertada por uma toalha negra como a noite sem lua e estrelas. Parecia algo tão interessante que não entendia porque ninguem estava lá buscando o futuro. Curioso adentrei a tenta e comprimentei o homem que estava ali sentado. Era um velho cigano, usava roupas largas e uma bandana absurdamente vermelha na cabeça, quando ergueu a face e abriu a boca para comprimentar-me pude perceber uma boca cheia de dentes faltando, alguns podres e outros de ouro e prata, e detinha a mesma palidez do velho menestrél de histórias impossiveis.

Com um sorriso que chegava a ser malicioso disse:

- Sente-se.

Sentei numa cadeira de alcolchoado vermelho e muito confortavél, e o comprimentei. Após isso o silêncio tomou conta do recinto. Sem saber o que fazer, observava a tenda que ostentava pendurados objetos de muitas épocas e lugares. O que me fez concluir que se tratava de um homem muito viajado.

- Todos esses objetos eu mesmo inventei.

Soltei uma leve risada, pois não pode acreditar em suas palavras, pois na sala encontravam-se objetos que carregavam entre sí anos e anos de diferença. Ou era louco, mentiroso ou muito velho.

- Morri de exausto construindo os Jardins da Babilônia. Disse ele.

Indigando respondi:

- Se morreu mesmo, como está aqui?

- Morri afogado e de amor pelo canto das sereias nos mares gregos.

- Continuo sem entender.

- Morri enforcado por não pagar impostos na época de Jesus. Morri queimado pouco antes da queda do império Romano por acreditar em Jesus.

- Pensei que lia o porvir e não que era contador de histórias. Retruquei

- Morri queimado por pagar um coelho a menos de tributo durante o império de Carlos Magno. Morri de fome nos calabouços da inquisição por já não acreditar em nada.

- Não estou entendendo mais nada senhor. Eu disse.

Ele falava com calma e com uma convicção sem precedentes.

- Morri atravessado por uma seta enquanto lutava por uma causa que mal conhecia durante as Cruzadas. Morri de escorbuto enquanto atravessava o Atlântico rumo as Américas.

Pensei em falar, mas minhas palavras foram cortas pelas dele.

- Morri guilhotinado durante a revolução francesa por lutar pela igualdade. Morri após ser condenado a 200 chibatadas nos canaviais do Haiti. Morri baleado lutando ao lato de Zapata na Revolução Mexicana.

- ...

- Morri de sede nas dunas do Saara. Morri fuzilado pelos nazistas durante a segunda grande guerra por acobertar uma familia de Judeus em minha casa.

A partir daí, falou sem parar.

- Morri de sifilis após me esbaldar por anos nos bordéis de Paris. Morri de desgosto após perder o grande amor em Veneza. Morri queimado por ser indigena em São Paulo. Morri de fome como pedinte no Rio de Janeiro.

Quem é você afinal? Perguntei.

- Sou sua indignação. E vou morrer em uma explosão nuclear na terceira guerra mundial. E com uma flexada no coração durante a quarta.

Como pode saber como vai morrer?

- Esqueceu que eu leio o porvir? Eu sei.

E o que quis dizer com “ser minha indignação”.?

- Eu sou tudo que você não admite. Sou todos os inocentes que morreram de uma forma que você não tolera. Sou todo marginal de todas as épocas, raças e linguas.

Qual o seu nome?

- Não tenho. Já tive muitos nomes e hoje não tenho nenhum. Me chame como quiser.

Decidi chamá-lo de Wesley, o nome de um primo meu que nunca existiu. Nada mais justo.

- Então Wesley, que lugar é esse? E como vim parar aqui.

- Você está sonhando, você criou esse lugar, então o nome apenas você conhece. Faz muito tempo que eu não encontro um bom sonhador sabia?

- Se você está no meu sonho, como poderia encontrar outros sonhadores?

- Não é porque estou no seu sonho que apareço apenas pra você, não seja egoista. E soltou uma gargalhada.

- Não entendo como posso sonhar algo tão complexo, ando dormindo muito mal.

- O sonho meu caro, pode durar horas imaginárias em apenas um minuto de sono. Os salões oniricos presentes em cada mente são capazes de gerar sonhos mais reais que a própria vida. Sonhar é uma necessidade, agradeça por conseguir fazê-lo.

- Todo mundo sonha até onde eu sei.

- Acredite meu amigo, algumas pessoas sofrem tanto na vida que sonhar é tudo que lhes resta, e quando o poder de sonhar os abandona os motivos de viver desaparecem.

- E de onde você vem Wesley?

- Venho de todos os lugares que já passei. Se quiser saber de onde vim esta manha, deve visitar o cemitério da vila.

- Cemitério?

- Não tente entender. Quando você ver entenderá.

- Mas e sobre o meu futuro o que pode me dizer então?

Calmamente ele levantou e foi até um dos cantos da tenda onde tinha uma pequena caixa de madeira pendurada, era um dos inumeros objetos ali presentes. Pegou a caixa e novamente sentou-se a minha frente. Era uma caixinha bem decorada, com adornos vermelhos, verdes e com as pontas douradas. Abriu a caixa e de lá retirou um baralho que a primeira vista parecia como qualquer outro, mas após analisa-lo em suas mãos pude perceber que as cartas também eram feitas de madeira, em tiras tão finas e flexiveis quanto os baralhos convencionais. Me olhou e provavelmente percebe a intriga em minha face:

- Eu mesmo fiz esse também. Um baralho de madeira, assim como os antigos Mongóis faziam.

- E como isso funciona? Perguntei.

- É muito simples, funciona assim: Vou embaralhar o baralho três vezes e em cada uma delas você irá retirar uma carta do topo, a após isso eu revelarei a quarta. Assim a partir da ordem poderei determinar algo.

E assim se sucedeu, ele embaralhou o baralho de madeira sem nenhuma dificuldade e me ofereceu para retirar a primeira carta. Minha mão tremia muito enquanto meu braço se aproximava da carta. A retirei, virei-a e coloquei sobre a mesa, se revelou a figura de um coração envolto por luzes brancas, como se representasse algo divino. Me espentei com o desenho, afinal os baralhos ostentavam desenhos diferentes. Como se pudesse ler meus pensamentos ele disse:

- Esse baralho é especial, tem desenhos diferentes do convencional. É uma técnica de advinhação que aprendi com uma tribo muito singular de ciganos espanhóis. Sua estirpe foi condenada ao desaparecimento pelo próprio Deus por criarem técnicas de ler o porvir tão poderosa quanto as verdades divinas. Eu sou o único que ostenta essa capacidade agora.

E assim novamente embaralhou as cartas e me estendeu a mão para retirar outra. Puxei a carta e a pus ao lado da primeira, e assim se revelou o desenho da terra, no entanto envolta por uma nuvem de fumaça verde musgo. Sua voz então me surpreendeu:

- Já vou te avisando, vou te dizer o que as cartas falam, mas o verdadeiro sentido você terá que descobrir por conta própria.

- Então vai me entregar mais um enigma, mais uma duvida como as tentas que já carrego?

- Se eu te revelar a verdade nua e crua, você nada vai aprender com tudo isso. Coloque-se no seu lugar, ainda mais você que sempre buscou compreender tudo, deve compreender sua vida melhor que ninguem.

E assim embaralhou pela terceira vez o calhamaço de cartas, e novamente as estendeu para mim retirar a terceira delas. Ao revela-lá podemos ver o desenho de um homem em pé, com uma face serena e confiante e os braços cruzados, em meio a um ambiente de destruição. Wesley então cruzou os braços e por um tempo observou as cartas póstas sob a mesa. Impaciente perguntei:

- E então, o que isso quer dizer?

- A ultima carta é muito reveladora em relação as suas atitudes. Tenha calma que ainda não terminamos, esqueceu que falta a ultima carta?

Então tornou a embaralhar as cartas, dessa vez de uma forma diferente, cortando-o varias vezes enquanto o fazia, então o postou sob a mesa e cortou ao meio mais uma vez e então virou a carta que ficou no topo. Era um caixão, a figra de um caixão estava naquela carta. Pude perceber que ele se espantou tanto quanto eu, mas em fração de segundo sua face recobrou a calma, franziu o cenho, pensou por um instante e então falou:

- Calma, essa carta pode representar muitas coisas, é uma carta muito especial e carrega muitos significados. No contexto da sequência ficou interessante.

- Que contexto? O que isso tudo lhe diz?

- As duas primeiras cartas me revelam quem você é. O “Coração de Guadalupe” e o “Mundo Corrompido” nos mostram que você tem um coração honesto, um coração puro em meio a um mundo enfermo, um mundo devastando por todo tipo de sentimento destrutivo.

- E a tarceira?

- “O homem paciente” mostra justamente o que você não tem sido. Eu sei que um dia você já foi o homem mais paciente do mundo, mas acabou por perder o controle. É justamente a paciência que vai lhe livrar da maioria dos seus problemas.

- Isso eu já percebi. Mas como?

- Como só você pode saber. Ai está o segredo dessa arte de adivinhação que causou a ira de Deus, uma arte considerada divina, que no entanto não revela nada que a pessoa não saiba.

- O que tem de segredo nisso então? Para mim é só mais uma técnica de enganação barata. Tudo o que você me revelou eu já sabia, e suas palavras não me ajudam em nada. Além disso, duvido muito que um truque mediocre como esse tenha dizimado todos aquele ciganos, talvez você esteja se confundido com o holocausto.

- Você acredita no que quiser meu jovem, mas não menospreze o que não conhece. A mulher que me ensinou essa arte era conhecida como Visir de la Plana. Ela sempre dizia: “Eu enchergo mais que os outros, porque eu sei como olhar”. Demorei anos até compreender o verdadeiro significado dessas palavras, elas estão totalmente ligadas à ultima carta.

- É verdade, tem a ultima carta. O que ela diz? Afinal, qual o segredo das palavras da tal mulher?

- O segredo é justamente saber como olhar para a carta. Essa ultima carta sim revela coisas que você não sabe. Pode dizer muitas coisas em relação a um passado perturbador e um futuro de escolhas. O que está carta diz sobre você, está claramente desenhado, ela...

Suas palavras foram interrompidas por um pequeno homem, de baixa estatura e um ralo bigodinho negro, que na verdade se assemelhava muito a um anão. Estava com a cabeça enfiada por entre as cortinas da parte de trás da tenda, falou então com uma voz tão fina que chevou a arder os ouvidos:

- Wesley, poderia nos ajudar aqui fora por um momento? Augusto, o Peregrino acaba de chegar e ele gostaria de falar diretmente com você. Ele nos contará muitas histórias assombrosas, todos estão tão anciosos...

- Claro meu pequeno amigo, já estou indo. Augusto é um homem muito sábio, com certeza traz muito boas novas.

Levantou-se então, com uma empolgação clarissima estampada na face, sequer me dirigiu a palavra e saiu apressado pelas cortinas traseiras da tenda. Fiquei sentado, era como se uma faca aravesasse meu peito, aquela frase não finalizadafez meu acorpo aquecer em questão de segundos, a ansiedade estava novamente presente, suava frio, as mãos tremiam, o peito doia. Wesley tinha razão, preciso ter paciencia, a falta de paciencia estava definhando meu corpo aos poucos, tudo se imagina, tudo dói, tudo vem como um vendaval de terrores e lembranças, medo e precipitação. Preciso de um cigarro. Não! Preciso respirar fundo, relaxar, não pensar, o pensamento é como uma faca de dois gumes, é força criadora e destrutiva, quanto mais você pensa em alguma coisa, menos solução vê. Preciso não pensar em nada, é isso! Ele logo voltará, isso não ficará assim, ele vai voltar com certeza, é um homem bom, já viveu muitas vidas, com certeza entende minha agonia. Então fiquei ali sentado, esperando, imaginando como seria bom um tabaco. (Continua...)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A lua fosca

As três e quarenta da manhã eu fumava um cigarro no quintal, usava uma camiseta velha de dormir e uma calça de pijama roubada de um hospital, fruto de uma internação inexperada. O clima estava agradavel e cada vez que eu peidava um passaro cantava ao longe, provavelmente indignado com aquele barulho mediocre que rompia o silêncio noturno da zona sul.

Sempre que fumo a noite gosto de soltar a fumaça em direção a escuridão do céu, para então vê-la se dissipar lentamente naquele enorme mar sem vento. Após uma caprichada tragada, liberei uma grande bola de fumaça branca que levava consigo alguns resquicios de vida, e através dela pude ver a lua, totalmente ofuscada por aquela marola de podridão. Quando:

- Trrraaaaaa.

- Piu, piu, piu, piu...

Maravilha pensei, como é bom peidar. Já dizia o finado Bukowski: Quem fuma e bebe não sofre prisão de vente.

Olho novamente para o céu, a fumaça já havia sumido e a lua continuava lá, pequena, longuinqua e fosca. Estranho... por que continuava assim? Imaginei ser apenas um truque da fumaça. Então sento nas lajotas geladas e me encosto num pilar de madeira bruta onde está presa a rede, e começo a pensar no meu dia. Funciona como uma espécie de ritual, o ultimo cigarro do dia é sempre na madrugada, acompanhado de reflexões e lembranças sobre o que passou.

Foi um dia bom, uma sexta-feira interessante e inusitada. Pela primeira vez em dias consegui tomar café da manhâ e não me atrasar, no trabalho não arrumei encrenca com ninguem, apesar da vontade de mandaqr alguns a merda, afoguei a raiva no peito. A tarde tomei algumas cervejas, conversei com americanos e hippies, além de visitar um antiquario que vendia belas lambretas. Comi amendoin num banco de praça com a mulher mais bonita da cidade, enquanto trocavamos beijos e caricias, combinavamos assistir danças flamencas no dia seguinte. A noite ajudei meu pai a fazer o jantar enquanto conversavamos de forma agradável, como não faziamos a tempos. Então fui com alguns amigos em um bar fuleiro na beira do trilho, beber cerveja e jogar sinuca, nos demos ao luxo de gastar dois contos para ouvir os clássicos do AC/DC em uma jukebox tão velha quanto o dono daquele moquifo aconchegante, onde o atendente comia um sanduiche e ficava com a barba repleta de maionese, e velhos centenários tomavam cachaça com remédios de pressão enquanto jogavam truco com uma vontade digna dos jovens adolescentes punheteiros.

E assim terminava o dia, com um cigarro e com a lua fosca. Seria uma nova fase lunar? Impossivel, os sábios astronômos babilônicos, herdeiros da mais racional bruxaria das estirpes condenadas já teriam remediado isso. Provavelmente era fruto da poluição que castigava o ar e escondia a lua, mas preferi não pensar nisso, melhor continuar com meus devaneios e buscar algo para satisfazer meus desejos impossiveis.

Acendo outro cigarro e me bate a vontade de tabaquear meu cachimbo, quando um barulho de porta na casa ao lado me desvia a atenção, vejo meu vizinho parado ao muro, ele vestia uma regata furadinha amarela ao estilo dos bon vivant jamaicanos. É um quarentão calvo e com cara de curioso e provavelmente voltava de mais uma noite de esbórnia nas zonas do bairro, que as sextas-feiras ofereciam churrasco e carne mijada por um preço bem mais acessivel que dos grandes puteiros, aqueles conhecidos por nome e não pelo numero da casa.

- Tu ta pitando? Diz ele.

- Ô... respondo sem animo, não queria conversa agora, muito menos escutar fofocas sobre os pedantes da rua, qualquer tipo de mitologia de suburbio ou contos de quermesse. Ele resmunga meia duzia de palavras e entra.

- Avisa teu pai que amanha vou limpar a caixa de gordura. Boa noite.

- Boa noite. Penso, credo.

Volto então a minha loucura. Por que a lua esta fosca? Por que o dia foi tão bom? Teria isso alguma relação? Talvez seja um fenômeno que altere o humor das pessoas, seu modo de agir e pensar. A lua influencia o mar da mesma forma que as mulheres, e ando crendo que provavelmente altera os homens também.

Nas noites de lua fosca as pessoas se tornariam mais humildes, receptivas, simpaticas, nunca arrumariam briga e os amores transbordariam como copos demasiado cheios de cerveja. Os boêmios sairiam a rua em plena madrugada, cantando histórias de amores contrariados e orgias fenomenais, ninguem reclamaria o barulho, todos abririam suas janelas para cantar, enquanto cozinhariam deliciosos quitutes e bateriam colheres na panelas, seguindo o ritmo ditado pela caixinha de fosforos do mestre percussionista. Nos dias de lua fosca me entenderia com meu pai, viveriamos momentos inéditos em nossa relação conturbada, não odiaria tanto meus chefes e me indignaria menos com o mundo, porque ele seria mais justo e mais bonito.

Mas afinal, seria um fenômeno da lua, ou seria meu?

Noutro dia, na mesma praça, no mesmo banco, com um novo pacote de amendoins e com a mesma mulher, que no entanto não era a mesma, pois tornava-se cada dia mais bonita. Ela olha acima e diz:

- Olha! A lua está fosca.

Então eu soube que aquele dia seria bom, que poderiamos nos amar sem dó e rolar nus por onde quisessemos, ninguem notaria pois estariam todos embriagados de alegria. Amanhaceriamos juntos, sem o compromisso de ditar juras de amor impossiveis, ao menos até, a proxima lua fosca.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

De muitos amores

Dizem por ai que a esperança é sempre a ultima que morre. No meu caso é o amor, ou melhor, era o amor, já não sei muito bem em o que devo acreditar. O amor era minha fé, a fé que se prega nas esquinas desbotadas de Joinville eu há muito abandonei, nem jamais quis voltar a te-la, exeto em alguns momentos de desespero. Meu velho e gordo pai sempre falava com aquele ar de religioso quimérico: “Você está assim porque perdeu a fé, não acredita em nada”. É verdade, eu perdi a fé, cresci como menino católico, batizado, catequisado, rezava todas as noites para agradecer e pedir.

Minha fé começou a morrer por volta dos 14 anos quando fazia crisma, todos os sabados de manhã na igreja mais próxima da minha casa. Firme e forte aguentei os três primeiros meses de aulas, fiz algumas amizades, e tomei meu primeiro porre de whisky numa festa que um playboyzinho metido a surfista deu em sua casa. Afinal de contas, estava na cara que a maior parte da sala só estava lá porque seus pais mandaram,e quando retiravam a mascara da cristandade revelavam-se todos pequenos boêmios, fumando cigarros caros e fingindo conhecer os prazeres do sexo. Poucos realmente conheciam, normalmente procuravam as putas, que sedentas os descabaçavam sem dó soltando falsos gemidos de um prazer inexistente. E saim todos alegres e orgulhosos de terem comido uma mulher adulta. O verdadeiro prazer deles estavam em contar, não em fazer.

Acabei por largar a crisma após uma série de discussões com a professora, que apenas escutava os pequenos beatos e fugia das discussões relevantes. Minha mãe aceitou, respeitava minhas decissões. Meu pai só falava: “O que sua avó vai pensar, coitadinha, isso seria um orgulho pra ela, já está tão velhinha, vai morrer de desgosto”. Minha pequena avó, coitada, ia todos os dias à igreja e acabou por morrer como qualquer cancerosa numa cama de hospital. No entanto o verdadeiro terror começou em janeiro do ano seguinte, mais precisamente no dia seis de janeiro de 2007, quando minha mãe foi internada com fortes dores no abdomen e acabou por morrer vinte e um dias depois de infecção hospitalar, após uma série de falsas esperanças que os médicos vomitavam em meio a palavras metódicas.

Assim morreu o grande amor da minha vida, não chorei, e muito pouco chorei até hoje. (Continua...)