segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A lua fosca

As três e quarenta da manhã eu fumava um cigarro no quintal, usava uma camiseta velha de dormir e uma calça de pijama roubada de um hospital, fruto de uma internação inexperada. O clima estava agradavel e cada vez que eu peidava um passaro cantava ao longe, provavelmente indignado com aquele barulho mediocre que rompia o silêncio noturno da zona sul.

Sempre que fumo a noite gosto de soltar a fumaça em direção a escuridão do céu, para então vê-la se dissipar lentamente naquele enorme mar sem vento. Após uma caprichada tragada, liberei uma grande bola de fumaça branca que levava consigo alguns resquicios de vida, e através dela pude ver a lua, totalmente ofuscada por aquela marola de podridão. Quando:

- Trrraaaaaa.

- Piu, piu, piu, piu...

Maravilha pensei, como é bom peidar. Já dizia o finado Bukowski: Quem fuma e bebe não sofre prisão de vente.

Olho novamente para o céu, a fumaça já havia sumido e a lua continuava lá, pequena, longuinqua e fosca. Estranho... por que continuava assim? Imaginei ser apenas um truque da fumaça. Então sento nas lajotas geladas e me encosto num pilar de madeira bruta onde está presa a rede, e começo a pensar no meu dia. Funciona como uma espécie de ritual, o ultimo cigarro do dia é sempre na madrugada, acompanhado de reflexões e lembranças sobre o que passou.

Foi um dia bom, uma sexta-feira interessante e inusitada. Pela primeira vez em dias consegui tomar café da manhâ e não me atrasar, no trabalho não arrumei encrenca com ninguem, apesar da vontade de mandaqr alguns a merda, afoguei a raiva no peito. A tarde tomei algumas cervejas, conversei com americanos e hippies, além de visitar um antiquario que vendia belas lambretas. Comi amendoin num banco de praça com a mulher mais bonita da cidade, enquanto trocavamos beijos e caricias, combinavamos assistir danças flamencas no dia seguinte. A noite ajudei meu pai a fazer o jantar enquanto conversavamos de forma agradável, como não faziamos a tempos. Então fui com alguns amigos em um bar fuleiro na beira do trilho, beber cerveja e jogar sinuca, nos demos ao luxo de gastar dois contos para ouvir os clássicos do AC/DC em uma jukebox tão velha quanto o dono daquele moquifo aconchegante, onde o atendente comia um sanduiche e ficava com a barba repleta de maionese, e velhos centenários tomavam cachaça com remédios de pressão enquanto jogavam truco com uma vontade digna dos jovens adolescentes punheteiros.

E assim terminava o dia, com um cigarro e com a lua fosca. Seria uma nova fase lunar? Impossivel, os sábios astronômos babilônicos, herdeiros da mais racional bruxaria das estirpes condenadas já teriam remediado isso. Provavelmente era fruto da poluição que castigava o ar e escondia a lua, mas preferi não pensar nisso, melhor continuar com meus devaneios e buscar algo para satisfazer meus desejos impossiveis.

Acendo outro cigarro e me bate a vontade de tabaquear meu cachimbo, quando um barulho de porta na casa ao lado me desvia a atenção, vejo meu vizinho parado ao muro, ele vestia uma regata furadinha amarela ao estilo dos bon vivant jamaicanos. É um quarentão calvo e com cara de curioso e provavelmente voltava de mais uma noite de esbórnia nas zonas do bairro, que as sextas-feiras ofereciam churrasco e carne mijada por um preço bem mais acessivel que dos grandes puteiros, aqueles conhecidos por nome e não pelo numero da casa.

- Tu ta pitando? Diz ele.

- Ô... respondo sem animo, não queria conversa agora, muito menos escutar fofocas sobre os pedantes da rua, qualquer tipo de mitologia de suburbio ou contos de quermesse. Ele resmunga meia duzia de palavras e entra.

- Avisa teu pai que amanha vou limpar a caixa de gordura. Boa noite.

- Boa noite. Penso, credo.

Volto então a minha loucura. Por que a lua esta fosca? Por que o dia foi tão bom? Teria isso alguma relação? Talvez seja um fenômeno que altere o humor das pessoas, seu modo de agir e pensar. A lua influencia o mar da mesma forma que as mulheres, e ando crendo que provavelmente altera os homens também.

Nas noites de lua fosca as pessoas se tornariam mais humildes, receptivas, simpaticas, nunca arrumariam briga e os amores transbordariam como copos demasiado cheios de cerveja. Os boêmios sairiam a rua em plena madrugada, cantando histórias de amores contrariados e orgias fenomenais, ninguem reclamaria o barulho, todos abririam suas janelas para cantar, enquanto cozinhariam deliciosos quitutes e bateriam colheres na panelas, seguindo o ritmo ditado pela caixinha de fosforos do mestre percussionista. Nos dias de lua fosca me entenderia com meu pai, viveriamos momentos inéditos em nossa relação conturbada, não odiaria tanto meus chefes e me indignaria menos com o mundo, porque ele seria mais justo e mais bonito.

Mas afinal, seria um fenômeno da lua, ou seria meu?

Noutro dia, na mesma praça, no mesmo banco, com um novo pacote de amendoins e com a mesma mulher, que no entanto não era a mesma, pois tornava-se cada dia mais bonita. Ela olha acima e diz:

- Olha! A lua está fosca.

Então eu soube que aquele dia seria bom, que poderiamos nos amar sem dó e rolar nus por onde quisessemos, ninguem notaria pois estariam todos embriagados de alegria. Amanhaceriamos juntos, sem o compromisso de ditar juras de amor impossiveis, ao menos até, a proxima lua fosca.

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